11 agosto 2008

Falta alguém na nossa luta!


"Falta alguém na minha casa. Quero dar um enterro digno à minha filha Cristiane. Nem que seja só um ossinho, eu quero enterrar. Há 18 anos eu procuro saber onde ela está e tudo que ouço das autoridades é que, se não há corpo, não há crime. Por isso, estou muito à vontade para dizer com firmeza as autoridades que as Mães de Acari precisam de ajuda, pois há anos estamos à procura de quem possa nos socorrer."


Tanta coisa pode ser dita de Vera Lucia Flores, uma das Mães de Acari, mas preferimos deixar aqui registrado um de seus discursos mais brilhantes e que pertence a toda a mãe de criança desaparecida. Vera era mãe de Cristiane Leite de Souza, que aos 16 anos, foi seqüestrada com mais 11 jovens da comunidade de Acari, de um sítio em Magé em 1980. Os corpos dos jovens nunca foram encontrados. Vera foi a percurssora de todos os movimentos que buscam Justiça aos desaparecidos no Brasil, uma grande lutadora, uma guerreira. Desde o desaparecimento de sua filha, a vida de Vera Flores se transformou numa verdadeira caminhada em busca de informações sobre o paradeiro dos 11 jovens de Acari. Juntamente com outras mães, percorreu cemitérios clandestinos, delegacias de polícia, presídios, conversou com juízes, delegados, secretários de segurança, ministros, presidentes, sempre em busca de informações. Vera faleceu na madrugada deste dia 10 de agosto de 2008. Seu corpo foi enterrado hoje,às 11h, no cemitério do Catumbi. Vera costumava nos dizer que só queria o direito de dar um enterro cristão a sua filha Cristiane. Morreu sem realizar este desejo.


Sempre com uma foto de Cristiane nas mãos, Vera também viajou pelo mundo para denunciar a violência e a injustiça cometida contra a filha e contra tantos outros jovens desaparecidos. Viajou pela Europa por duas vezes a convite da Anistia Internacional, das Mães da Praça de Maio e da ex-primeira dama francesa Danielle Miterrand, para denunciar a "Chacina de Acari" e cobrar justiça e punição aos criminosos, policiais militares integrantes de um grupo de extermínio conhecido como "Cavalos Corredores", também acusados de participar da Chacina da Candelária e de Vigário Geral.

Apesar de tanta luta e tristeza, Vera sempre se mostrava forte, amparando e estimulando as outras mães a continuar. Estava sempre brincando, rindo, conquistando a todos com sua personalidade peculiar e encantadora. Aprendemos muito com ela. Devemos muito a ela. Somos herdeiros da luta dela. Com muito orgulho! Vá em paz guerreira. Como "amizade é um amor que nunca morre" você será eterna em nossos corações.

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