23 novembro 2010
A Janela
Uma mãe, que acompanha nosso trabalho com crianças desaparecidas, contou-me o que anda acontecendo com uma menina de sua comunidade. A garotinha, de sete anos, adquiriu o preocupante hábito de acordar muito cedo, quando a família ainda está adormecida e sorrateiramente sair para brincar no quintal. A mãe da menina em questão, também ciente das nossas histórias de desaparecimento de crianças, procurou por diversas vezes alertar a filha sobre o perigo de seu comportamento, mas nada surtiu efeito.
“Acredita que a menina ainda mandou a mãe acordar mais cedo se quisesse impedi-la de sair? Só que todos os dias ela dorme às oito da noite e a mãe ainda vai preparar a comida para o marido levar na marmita no dia seguinte”, indignou-se a mãe que me contou essa história, perguntando o que eu faria para impedir a criança de fugir para o quintal.
Quando sugeri que a família poderia esconder a chave da porta, ela retrucou:
“E você acha que a mãe dela não fez isso? Mas a menina pulou a janela...”
Não pude deixar de rir. Minha interlocutora acabou rindo junto comigo, mas depois acrescentou:
“Agora ela não está mais fazendo isso, mas parecia até uma tentação!”
Expliquei que nessa idade as crianças tendem a querer infringir regras, numa busca pela independência. Curiosa eu quis saber como a mãe da menina resolveu o problema. A mãe que me fazia o relato contou-me que um mendigo apareceu no quintal pedindo comida, amedrontando a garota, que entrou em casa gritando pela mãe. E desde então não tem mais brincado sozinha no quintal. Reconhecemos ambas que provavelmente o morador de rua estava mesmo em busca de comida, mas se não estivesse, sem dúvida os alertas da mãe evitariam que essa menina fosse vítima de alguma violência. Por isso, campanhas de esclarecimento e prevenção são tão importantes.
“E se ela voltar a desobedecer depois de esquecer o susto?” – quis saber minha amiga, em dúvida se umas boas palmadas não resolveriam o problema.
Perguntei o que mais a menina gosta de fazer. Ela respondeu que é ver desenhos pela tevê. Sugeri que a mãe corte esse prazer da filha até ela compreender que precisa respeitar suas orientações, atitude muito mais eficaz que uma palmada.
A ilustração é do quadro A Imagem, de René Magritte (Bélgica, 1898, Bruxelas, 1967). O pintor, considerado um espírito travesso, presenciou o corpo da mãe, vítima de suicídio, ser retirado das águas do rio. Suas obras são metáforas que se apresentam como representações realistas, através da justaposição de objetos comuns como o castelo, a rocha e a janela entre outros. Dizia Magritte sobre sua própria obra: “As pessoas que procuram significados simbólicos não conseguem captar a poesia e o mistério da imagem.”
Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br
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