27 dezembro 2010

A hora da virada


Fim de ano sempre provoca na gente um sentimento de reavaliar posturas, traçar metas. A tal virada de vida que todo mundo anseia, mas teme. Principalmente porque, viradas na vida, ao contrário das viradas de ciclo, chegam de forma inesperada. E a gente vive uma rotina tão atarefada e corrida que mal dá tempo para pensar. Sem falar que a rotina nos protege do que tememos analisar. As tarefas do dia-a-dia nos entorpecem da vida.

Hoje acordei pensando em qual teria sido o momento mais significativo de nosso trabalho com as Mães do Brasil, a hora da virada. Em minha avaliação foi o momento em que o projeto Mães do Brasil, apoiado pelo projeto Criança Esperança, começou. Agora ninguém nos segura, pensei, quando o projeto teve início. Achei que esse seria também o sentimento das Mães do Brasil. Que iriam se jogar, realizar tudo aquilo que sempre sonharam e que a falta de estrutura impossibilitava. Para minha surpresa, senti um grande retraimento por parte das mães. Inicialmente elas rejeitaram tudo. Os novos profissionais que chegaram para trabalhar com elas, as atividades propostas. Era como se quisessem voltar para o casulo e não fazer a metamorfose. Um dia a assistente social que conosco trabalhava, muito rejeitada por elas, me surpreendeu com a declaração:

“Elas rejeitam porque tem medo de perder você. Não querem crescer, porque acham que grandes, não contarão mais com a sua proteção.”

Quando comentei isso com o psicólogo Gilberto, ele concordou:

“Quem não quer ter uma mãe? Alguém que faça as coisas por nós? Mas a vida é realmente significativa quando cada um cumpre o seu papel.”

Foi a partir dessa conscientização que começou a grande virada de nosso trabalho. O processo de olhar para dentro é doloroso, mas muito instigante. Descobrir nosso papel perante a vida e buscar a coragem para exercê-lo é na verdade o motivo de estarmos aqui. Algumas mães se afastaram magoadas, confundindo liberdade com abandono. As que assumiram as rédeas da própria vida descobriram sua intensidade e como ela vale à pena. Não conseguiram evitar a dor da perda, mas encontraram a si mesmas. Atualmente esse é um dos maiores focos do trabalho com as Mães do Brasil.

Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br

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