24 maio 2012

Coragem "Xuxas"

Desde que Xuxa Meneghel revelou numa entrevista de TV que sofreu abusos na infância, venho assistindo ela ser enxovalhada através das redes sociais. A apresentadora foi taxada de “louca, hipócrita e de querer se promover através da história”. Xuxa recebeu o mesmo tratamento que a vida inteira presenciei ser dado as mães de crianças desaparecidas. Das pessoas anônimas que gritavam impropérios ao passar nas escadarias da Câmara dos Vereadores na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro, onde antigamente elas se reuniam para exibir o retrato dos filhos; a alguns policiais nas delegacias em que buscavam solução para as investigações. Quantas vezes ouvi a frase: “Essas mulheres não cuidam dos filhos e depois vão para a televisão querer aparecer!” Inicialmente, isso chegava a me deixar tremula de indignação. Nesses momentos uma das mães sempre segurava minhas mãos e me consolava, dizendo frase semelhante a dita por Jesus no momento de sua crucificação: “Deixa minha filha. Eles não sabem o que dizem.” Um dia ouvi de Tercília Frederico, a criadora do movimento Mães do Brasil, um ensinamento que ainda não consigo praticar integralmente, mas que reconheço ser verdade. Por toda vida ela ouviu de pessoa muito próxima que a culpa de seu filho ter desaparecido era dela, que atrasou o almoço e permitiu que o menino ficasse a brincar mais um pouco na pracinha diante de sua casa. “E a senhora aceita isso?”, protestei. Ao que ela respondeu: “Minha filha, a gente tem que aprender a amar os ignorantes”.

Ao expor o abuso sofrido na infância Xuxa desnudou uma ferida que ninguém quer olhar, quanto mais revolver. Para tratar essa ferida o ser humano tem que reconhecer um lado de sua natureza que a maioria prefere fingir que não existe. Que alguns seres humanos são sim, capazes de se aproveitar da inocência da criança para abusar dela. Que alguns são capazes de retirar crianças do convívio de suas famílias, violentá-las, matá-las com requintes de extrema crueldade e abandonar seus corpos em matagais. Onde muitas vezes ficam insepultos enquanto suas mães continuam a esperar um filho que jamais irá voltar.

Muita gente questionou o fato de só agora, depois de tantos anos, Xuxa vir a público assumir o abuso. Se você conversar com uma mãe de desaparecido ela vai se portar como se o filho tivesse lhe sido tirado naquele momento. A dor faz o tempo parar, embora a vida continue. Assim também age a vítima de abuso. Ela segue em frente à medida que os anos vão passando, mas a dor e a culpa ficam estagnadas no tempo. Tal constatação eu fiz após cuidar de mais de 10 mil casos de crianças e famílias vítimas de pedofilia.

Fico pensando o que não deve estar passando pela cabeça de uma criança que neste momento está sendo vítima de um abuso. Terá ela coragem de romper o silêncio quando a apresentadora, uma referência para crianças no mundo todo, está despertando tais reações com seu desabafo? Xuxa teve muita coragem em expor o lado podre do ser humano. Será que não está na hora de parar de julgar a vítima e tratar de identificar e deter o agressor? Para Xuxa não dá mais tempo, mas ainda dá para as crianças que estão sendo abusadas nesse momento.

Ontem, ao ler um artigo do Artur Xexéu sobre a atitude de Xuxa e as reações provocadas na Internet, achei tão interessante que o compartilhei com os jovens do Projeto Gente do Amanhã. Hoje, pela manhã, ao entrar na Internet para ver a resposta dos nossos jovens, o retorno deles me encheu de esperança. Disse uma das jovens, que por sinal teve uma irmã desaparecida e que até hoje não foi localizada, que amou o artigo e observou: “Infelizmente é a nossa realidade! Já está na hora de reverter essa situação!”

A imagem que ilustra esse post é da escultura do podereso guerreiro David, que venceu o gigante Golias e foi retratado por Michelangelo desnudo. Por que será que o artista italiano, considerado o maior de todos os tempos, retratou o guerreiro nú?

Por Wal Ribeiro
wal.ribeiro@abril.com.br

Um comentário:

Nix4u disse...

Eu até entenderia, se ela (Xuxa) não tivesse feito filme usando um menor em cenas de pedofilia...
Vai entender, né?!