Iniciei minha carreira no magistério aos 17 anos. Fui fazer meu primeiro estágio em uma escola municipal próxima a uma comunidade do Rio. A turma era uma segunda série, mas só estavam alunos repetentes, portanto mais velhos, em sua maioria com vários problemas de disciplina. Até briga de faca enfrentei na sala. Fiz o menino que puxou a arma e apontou para o colega de turma me entregar a faca, na base da moral. Por dentro estava trêmula. A professora da turma acabou licenciada por estresse e enquanto a direção buscava uma substituta, fui ficando.
Nenhum recurso que usei os fazia prestar atenção na aula. Certo dia, no fim da tarde, quase na hora da saída, me virei para o quadro negro totalmente frustrada com a algazarra e num impulso, comecei a passar um exercício. Para minha surpresa foram silenciando, até que começaram a perguntar se era trabalho de casa, se valia nota. Respondi que não. Era um teste valendo nota que estava começando naquele momento. O desespero reinou. Até que um dos mais levados da turma se aproximou do quadro e ajoelhando-se dramaticamente no chão, implorou:
“Pelo amor de Deus tia, faz qualquer coisa, deixa a gente sem recreio uma semana, mas não deixa a gente depois da hora!”
Verdadeiramente apavorados, me contaram que o terreno em que a escola fora construída no passado foi uma fazenda de escravos. E que as almas penadas dos mesmos, quando o sol se punha, vagavam pelas salas de aula, arrastando suas correntes. Com naturalidade, respondi que não tinha nenhum medo de almas e muito respeito pela história dos escravos. Naquela tarde ninguém saiu antes do último aluno acabar o teste. A turma inteira desceu do segundo andar até o portão de saída da escola em minha companhia.
A partir dali, a turma passou a ser uma das mais silenciosas da escola. Se começavam a baderna, eu avisava: No fim da aula teremos teste. Era o bastante para por fim a bagunça. Muitos professores, incrédulos, vinham até a sala presenciar o que consideravam um verdadeiro milagre. A diretora chegou a me chamar em sua sala para parabenizar e perguntar como eu conseguira tal feito. Temerosa que desaprovasse meus métodos, disse apenas que era uma questão de aplicar a disciplina com inteligência.
Resolvi aproveitar o tema para me aprofundar na história dos negros escravos no Brasil. Todos os dias, quase no final da aula, eu pedia a turma, em sua maioria formada por alunos negros ou mestiços, se sentarem com as carteiras em roda para a aula especial sobre os escravos. Foram aprendendo a não temer nossos ancestrais, e sim admirar e respeitar a trajetória deles. Respeitar igualmente a minha posição como professora, apesar de ser branca, ainda não formada, e muito jovem. Acabei ficando com essa turma até o final do ano letivo. Não tivemos mais problemas relacionados a disciplina. Transformei o medo pelos escravos em admiração, a distância que existia entre mim e os alunos, em envolvimento e simpatia.
Algum outro professor gostaria de partilhar uma experiência vitoriosa na educação? Escreva nos comentários.
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