21 abril 2006

Receita para manter uma criança desaparecida


Quarta-feira, 19 de abril, 23:00. Recebo um telefonema da Graça, mãe do Luan de Oliveira Santos Nogueira, que completou 18 anos em 07 de fevereiro deste ano, inacreditavelmente no dia em que chegou uma denúncia para o Portal Kids do paradeiro do jovem, portador de doença psíquica, que desapareceu em 17 de maio de 2004. Luan, que nunca tinha se afastado da mãe, foi passar uns dias na casa da avó paterna e fugiu depois de ter sido agredido, segundo denúncias que chegaram até os pais. Graça entrou para o movimento Mães do Brasil em fevereiro de 2005, trazendo histórias impressionantes de descaso na busca por seu filho. Várias vezes o menino foi visto em Copacabana, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, em companhia de meninos de rua. Quantas noites Graça não passou percorrendo o bairro, sozinha ou acompanhada de familiares e amigos com Lúcia, outra Mãe do Brasil que também tem o filho, Aílton dos Santos Francisco, portador de doença psíquica, desaparecido desde 08 de novembro de 2003. Quando ambas entraram para o movimento, demos um fim a essas perigosas vigílias. Não foi fácil convence-las que nas ruas estavam à mercê de todo tipo de ameaça: assalto, estupro. "Se a gente não procurar, quem vai? A polícia?", indagavam.
No dia em que fomos convidadas a ir ao encontro do ex-chefe de Polícia Civil Álvaro Lins, entreguei a autoridade que ele designou para representa-lo – já que um compromisso de última hora o impediu de receber as Mães do Brasil - ofícios de várias denúncias encaminhadas às delegacias responsáveis pelos casos de nossas crianças desaparecidas e que não tivemos qualquer retorno sobre as investigações. Uma delas era a de Luan. Graça estava presente. O policial telefonou na mesma hora para o delegado responsável e depois explicou o motivo porque Luan, que tinha sido reconhecido depois de sua mãe aparecer em cena da novela Prova de Amor , da Rede Record – em cena, Graça nem chegou a gravar os depoimentos, Luan foi reconhecido pela foto da camiseta das Mães do Brasil: “O delegado me disse que está procurando o seu filho, mas ele não quer ser encontrado.” Na hora eu retruquei: Que ele não quer ser encontrado a gente sabe. O rapaz é doente psíquico, desapareceu nas condições explicadas no ofício, tem idade mental de uma criança de cinco anos, provavelmente está na rua – já que vende balas – sendo explorado por alguém. Esse é o nosso medo. Quem está mantendo Luan na rua durante esse tempo? Até sair de casa ele não tinha malícia. Chegou a nós a informação que o jovem está cheirando cola com outros meninos de rua (informação aliás que fez sua mãe ter uma crise de depressão, já que Luan precisa tomar remédios controlados, recomendados por tratamento).
O que acontece com Luan é semelhante ao que o autor Tiago Santiago mostra em Prova de Amor através do personagem Zezinho (Diego Francisco), o menino que se perdeu na rua e acabou caindo na rede de exploração de menores. O policial que representava Dr. Álvaro Lins alegou que o delegado resolveu se afastar um pouco para ver se Luan aparece. Mas a polícia, segundo o delegado me informou, estava indo ao local onde Luan perambula a paisana. Inclusive um dia chegaram cinco minutos depois do menino ter saído do local. Pedi a Graça que desse um voto de confiança. Não aparecesse no local para não atrapalhar as investigações. Ela poderia ser reconhecida por alguém que avisaria o menino de sua presença ou a pessoa que provavelmente o está explorando. O delegado me disse que Luan, segundo informação dos comerciantes do local, apareceu, depois que se começou a tomar informações sobre ele, bem vestido, dizendo que estava morando com o pai. Mas o pai dele mora com Graça e também procura o filho.
Na quarta-feira Graça me ligou em prantos, numa nova crise de depressão, estava quase sem voz, o desespero a deixou rouca. O que aconteceu? – perguntei. “Nada!”, respondeu ela. “Por isso mesmo, Wal, cansei de confiar. Nada acontece! Vou eu mesma procurar o Luan. Vou ficar no local vigiando até ele aparecer.” E seu emprego? – argumentei, tentando acalma-la. “Perco, eu não me importo, quero o meu filho!” Pedi apenas um tempo para falar com o delegado. Prometi ir junto com ela dar uma busca no local. Porque se essa mãe vê o filho, esteja ele em companhia de quem estiver, ela vai tentar traze-lo. Se Luan estiver sendo explorado por um bandido, corre o risco dela e o filho morrerem na mão dele. Esse argumento, puramente verdadeiro, é o que segura o desespero das mães durante um tempo.
Ontem telefonei para a delegacia. O delegado estava em serviço externo. Insistirei no feriado. Sei qual será o programa da Graça para este fim de semana. Esta aí a receita para manter uma criança desaparecida.

No dia da gravação da cena da novela Prova de Amor, na qual Luan foi reconhecido, Graça, emocionada, recebeu o carinho da atriz Ana Markun (foto gentilmente cedida pela divulgação da Rede Record).

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