11 maio 2008

Carta aberta ao Secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame

Exmo. Sr. Secretário de Segurança do Rio de Janeiro
Dr. José Mariano Beltrame


No dia em que minha sobrinha Larissa que eu criava como filha desde que minha irmã adoeceu e veio a falecer completou 12 anos realizei junto com as Mães do Brasil, um culto ecumênico na Cinelândia, Centro do Rio, que acabou se transformando numa manifestação. Fomos caminhando até a Secretaria de Segurança levar a Vossa Excelência um dossiê que o Portal Kids realizou sobre as investigações de outras meninas que foram seqüestradas como minha sobrinha. Até esse seqüestrador entrar em minha casa e levar minha sobrinha, não imaginava que coisas como essas acontecessem. Eu ouvia os noticiários sobre casos semelhantes, mas não imaginava que fosse acontecer comigo. Naquele dia em que fui a Secretaria de Segurança eu vivia um pesadelo porque tínhamos planejado, eu e minha família, comemorar o aniversário da Larissa num clube. Seria sua primeira grande festa. Mas fui com esperanças porque as informações contidas na investigação eram muitas e nunca, até Larissa ser seqüestrada, haviam conseguido prender este homem, suspeito de seqüestrar as meninas. Como várias testemunhas o reconheceram como o seqüestrador de Larissa, inclusive o taxista que a levou e ao seqüestrador do bairro onde moramos até o centro do Rio, tinha certeza que dessa vez seria diferente. Mesmo não tendo sido recebida por Vossa Excelência, me senti com esperanças. Senti confiança na delegada Elizabeth, que nos recebeu. Ela se emocionou com a minha dor, que naquele dia era muita. O que eu não sabia naquele momento é que a cada dia a dor fica pior. Naquele dia, planejamos escrever uma carta a Vossa Excelência para entregar no dia das mães se nossa ida a Secretaria de Segurança não adiantasse. “Não, vai dar certo, esse caso será resolvido antes de maio”, eu dizia as outras mães, que me olhavam com olhos sem esperança. Elas estão há tanto tempo nessa luta. Eu, três meses depois do seqüestro de minha sobrinha, ainda não tenho esse olhar e por isso escrevo para pedir: olhe realmente por essa investigação. São três meses de silêncio, ninguém nos diz mais nada. Quando vamos a delegacia procurar eles nos dizem para ter paciência, que é assim mesmo, que estão trabalhando. Vem na ponta da língua uma pergunta que agora vou fazer: Como agiriam os que me dizem isso se fosse a filha deles a estar no lugar de minha Larissa? Aqui relato um pouco do que é ter um filho seqüestrado. Ao amanhecer levanto e peço a Deus que me dê forças que esse pesadelo acabe o mais rápido possível, mas as horas vão passando, a aflição aumentando, o medo e a tristeza caminham lado a lado. A hora do almoço chega junto com as lágrimas. Penso se Larissa estará se alimentando. As horas continuam passando e me pego olhando para o telefone, imaginando que ele possa tocar a qualquer momento. A dor de ter o telefone calado me destrói aos poucos, quando me vejo já estou aos prantos. É mais uma noite que chega sem a minha Larissa. Olho para o quarto dela, vejo as bonecas e sinto um aperto no meu coração que dói tanto, principalmente porque me sinto de pés e mãos atadas. Imagino se tivesse mais dinheiro, não estaria passando por isso. Costuma se dar atenção à dor de quem tem mais dinheiro. Será que acham que porque somos pobres sofremos menos? A dor é igual, ainda maior, porque não podemos contratar um investigador, um advogado. O que me revolta é saber que pago os meus impostos para ter segurança e quando preciso de segurança, cadê ela? Mas ao contrário das outras mães, que também são vítimas desse seqüestrador, eu não posso acreditar que estejamos assim tão desamparadas. Peço para que Vossa Excelência pare e pense no tamanho do meu sofrimento e no das outras mães, mas principalmente pense no sofrimento dessas crianças que estão longe de nós, que não nos tem mais ao seu lado para protegê-las. Faça o máximo que tiver ao seu alcance para nos ajudar e ajudar a nossas filhas. Nos receba, Sr. Secretário e olhe dentro de nossos olhos. Ali Vossa Excelência encontrará a nossa dor. Tenho certeza que se Vossa Excelência olhar dentro de nossos olhos não ficará indiferente a nossa verdade. Venha nos encontrar em nossa ONG. Será muito bem recebido. Eu ainda acredito que algo possa ser feito.

Raquel, a tia-mãe de Larissa Santos

Minha filha Larissa, de nove anos, foi seqüestrada de dentro de casa no dia 14/03/2007 por um homem que levou também aparelhos domésticos. Naquele dia ela não teve aula. Até hoje não sei como este homem tirou minha filha de casa e a convenceu a acompanha-lo. Se Vossa Excelência conhecesse minha casa, minha família, a maneira como vivemos, também acharia espantoso. Quando o suspeito do seqüestro de outra menininha, outra Larissa, foi preso, a testemunha que viu minha filha em companhia do seqüestrador o reconheceu. Corri para a delegacia, onde conheci as Mães do Brasil. Fiquei estarrecida em descobrir que este suspeito é investigado pelo Portal Kids há tanto tempo e as autoridades nada fizeram. Se nossas filhas não fossem pobres isso não aconteceria. Não saber o paradeiro de uma filha nos tira a força de sobreviver. Desde que Larissa desapareceu meu tempo é preenchido com lágrimas, desespero e sofrimento. Perdi a paz, perdi meu chão, perdi a minha filha. Vivo de delegacia em delegacia e já escutei cada coisa que Vossa Excelência não pode imaginar. A impressão que tenho é que o caso de Larissa não passa de anotações que fazem no papel e depois que me retiro, são jogadas na gaveta. Não sei mais o que fazer, a quem apelar. Gostaria que Vossa Excelência desse conclusão a este caso. Acredito na sua humanidade e que acolherá com carinho o nosso pedido.

Silvana, mãe de Larissa Andrade


Minha amada filha Thaís, de nove anos, foi seqüestrada no dia 22/12/2002, véspera de Natal, no momento em que eu estava no shopping comprando o presente dela. Minha filha ficou em companhia de minha irmã, na barraca que ela tinha numa feira-livre em Vila Kennedy. Ela foi com um primo comprar sorvetes em outra barraquinha, quando foi levada por este homem, que para nós era desconhecido. Quando cheguei em casa e tomei conhecimento que minha filha havia sumido não acreditei. Era muita loucura! Mergulhei num pesadelo, fui a duas delegacias até conseguir registrar, procurei eu mesma minha filha, participei de reportagens, manifestações, tudo em vão.
Eu, meu marido e meu filho, então com oito anos, passamos o pior Natal de nossas vidas. Tínhamos amigos, parentes, todos vivendo um sentimento múltiplo de angústia, ansiedade, dor, medo, saudades... Eu, meu marido e meu filho tivemos que fazer tratamento psicológico para conseguir sobreviver, tivemos que tomar remédios, meu filho até a escola detestava; passamos por tantos sofrimentos que só quem passa sabe do que falo. Não dormíamos... Até hoje não sei o que é um sono perfeito. Não há uma noite em que eu não pense onde estará minha filha? O que estará passando? O que pode ter acontecido com meu “bebezão” como eu a chamava? Em pensar que minha filha pode ter ficado enjaulada como se fosse um bicho para ser levada para outro estado ou país, como geralmente são levadas as vítimas do tráfico internacional, meu coração se dilacera. Acho que nem Vossa Excelência pode imaginar o que sinto quando constato que as amiguinhas dela já estão mocinhas... Fico fantasiando como estará o meu “bebezão”? Agora com 14 anos deve esta maior que eu, pois sempre foi grandona... Não consigo deixar de imaginar se minha menina foi violentada? E se em conseqüência disso pode até ter se tornado mãe? Se pode ter contraído alguma doença? Esse sofrimento que eu e muitas mães passamos, mães que tiveram suas filhas seqüestradas. O termo desaparecido não se encaixa em nosso caso. O que desapareceu foi o direito de nossas crianças de ter vida. O direito só tem favorecido a esses monstros que entram em nossas vidas e acabam com nossa felicidade, nossa alegria, nosso amor. Eles destroem nossas famílias e fica tudo por isso mesmo. Somos cidadãs e queremos respeito, queremos cobrar nossos direitos, os direitos dos nossos filhos. Tem hora que sinto vergonha de ser carioca porque trabalhamos para dar uma vida melhor para nossos filhos, pagamos nossos impostos, somos honestas enquanto esses monstros se divertem pegando nossas crianças indefesas. Alguém precisa dar um basta nisso.

Precisamos de uma atitude de Vossa Excelência, autoridade máxima em segurança do Rio de Janeiro. Queremos nossos filhos, não da mais para esperar... O Portal Kids investigou até onde podia. Agora precisamos da ação de uma polícia capacitada. Precisamos de investigação de qualidade. Nas delegacias contatamos que são poucos policiais para tantos casos, poucos recursos, falta de estrutura. E isso fica sendo mais um descaso e um caso comum na mão deles. Nossas filhas se transformam em dados estatísticos. Estou farta de ver o seqüestro de nossas filhas ficando sempre em último lugar para se resolver. Quero mais empenho. Enquanto essa situação não se resolve minha filha pode estar sendo usada na prostituição infantil. Foi feito o reconhecimento de um individuo e ficou por isso mesmo, ninguém dá prosseguimento a investigação. Pergunto a Vossa Excelência: por que?

Quero Justiça, quero saber da minha filha, quero que esse monstro que pegou minha princesa seja preso, investigado, quero ver polícia trabalhando e mostrando que podemos contar com ela. Quero meu direito e o direito de minha filha.
Até hoje olho para o portão de minha casa e penso no dia em que verei minha filha retornar? Sonho todos os dias com isso, vivo para isso, oro e acredito que vou encontrá-la. Creio em Deus por isso. O dia em que deixar de crer, não poderei mais viver. O que move minha vida é a luta para reencontrar minha filha. Pelo que tenho visto Vossa Excelência é um homem sério, que leva seu trabalho com amor, dedicação e deve ter filhos. Pense, tente se colocar no meu lugar e no das outras mães dependendo de sua ação como autoridade. Como se sentiria? Como agiria? Peço a Vossa Excelência que nos ajude porque não suportamos mais.


Elisabete, mãe a Thaís de Lima Barros



No último dia 05 de maio liguei para a Secretaria de Segurança para agendar um encontro com a delegada que ficou responsável pelo acompanhamento do caso das meninas seqüestradas, investigação que vem sendo realizada pelo Portal Kids desde 2001. Fui informada que a delegada em questão não trabalhava mais na Secretaria. A pessoa que me atendeu não tinha conhecimento do caso das meninas e perguntou em que pé estavam as investigações. Quando respondi que estava ligando justamente em busca dessa informação, prometeu averiguar e entrar em contato. Até o fechamento da semana, dia 09 de janeiro, ninguém da Secretaria de Segurança se comunicou. O desejo das mães das meninas era entregar uma carta ao Secretário, tentar tocar seu coração. Inclusive expliquei sobre a carta a atendente. Resolvemos então publicar uma carta aberta neste espaço, como em 2005 fizemos publicando uma carta aberta ao Presidente Luís Inácio Lula da Silva. A sensação que temos é que falamos de outra dimensão. Que somos fantasmas humanos. As pessoas não nos ouvem, não tomam atitude, como se não pertencêssemos ao mesmo universo, não vivêssemos no mesmo espaço.

Desde 2001 já apelamos para diversos órgãos: delegacias especializadas (todas do Rio de Janeiro), Secretaria de Segurança, Secretaria de Direitos Humanos em Brasília, Polícia Federal, Presidência da República. Em 2004, com quatro casos e muitos indícios, o Portal Kids iniciou uma investigação por conta própria. Começamos por investigar as famílias das pequenas vítimas e os policiais que trabalharam nas investigações e que acabaram todos transferidos. Buscamos fatos e testemunhas. Encomendamos pesquisas a cientistas sociais, sempre embasando as nossas descobertas. Outras vítimas e evidências foram surgindo. Até que em 2005 conseguimos reunir os casos numa investigação conjunta que ficou sob a responsabilidade da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV). O então delegado Leonardo Tumiati e sua equipe de policiais realizou em seis meses o que em quatro anos não se conseguiu realizar. No auge da investigação, quando tudo se encaminhava para a solução do caso, falávamos até de criar uma delegacia especializada quando ele foi transferido pela então chefia de Polícia do Rio de Janeiro. Mais duas meninas foram seqüestradas em 2006. Em uma delas conseguimos testemunhas que reconheceram um suspeito pelo seqüestro de duas meninas: Michele Santana de Araújo, 09 anos, em 21/11/2002 e Thais de Lima Barros, em 22/12/2002, como suspeito pelo seqüestro de Andréia Ferreira da Mota, 12 anos, seqüestrada em 21/01/2006. Uma nova tentativa de reconhecimento do suspeito por trás do vidro acabou não acontecendo devido à transferência de policiais que cuidavam do caso pela Delegacia de Homicídios da Zona Oeste. Em 30/01/2008 ocorreu o seqüestro de Larissa Gonçalves Santos. Quando recebemos da família o retrato falado do suspeito, imediatamente o identifiquei como o seqüestrador suspeito das outras meninas e enviei todos os dados sobre ele a 17º DP, responsável pelo caso de Larissa. O suspeito foi preso no dia 07 de fevereiro. Recebeu hábeas corpus cinco dias depois apesar de várias testemunhas o terem reconhecido como o seqüestrador de Larissa. Em liberdade foi submetido a dois reconhecimentos em que testemunhas apontaram ser ele o seqüestrador de Michele e Thais. Em março ocorreu uma tentativa frustrada de seqüestro de criança em São Cristovão e a vítima, que conseguiu escapar, reconheceu o suspeito como o autor do atentado. O que mais precisamos fazer para essa investigação se concluir? Por que essa investigação não tem continuidade apesar de todas as evidências? A Delegacia de Homicídios, que ficou responsável pelo caso, nos diz que carece de estrutura. Não é melhor então que o caso seja transferido para a Polícia Federal, já que existe a possibilidade de que essas meninas terem sido levadas para o exterior vítimas do tráfico internacional de pessoas? Estamos dispostas a levar o caso para qualquer delegacia da Polícia Civil que se comprometa a levar a investigação até a sua conclusão e que os policiais não sejam transferidos a toda hora. Chego a pensar e as mães mais do que eu que os policiais são transferidos sempre que chegam muito perto da verdade. Transferências entre policiais são comuns no universo policial. Não está na hora de rever essa questão? Oito policiais foram transferidos deste caso desde que estou nele. Parece-me que o bom policial no Rio de Janeiro é punido por trabalhar bem. Que estimulo tem ele para continuar? Fico imaginando que confuso estaria esse texto se começasse a ser escrito por mim, abandonado no auge, e continuado por vários membros de minha equipe, que seriam substituídos sem mais nem menos. A idéia principal iria se perder. Principalmente se não tivesse alguém supervisionando. Mas não estamos falando de palavras perdidas. Sim de vidas humanas. Estamos falando de meninas que ao contrário de nós, que temos umas as outras, não têm ninguém para lhes proteger. A devastação que a ausência delas deixou na vida de suas famílias é enorme, mas nada supera a dimensão do desespero, sofrimento e solidão que essas meninas devem estar sentindo. Imaginar o que elas sentem corrói suas mães, seus irmãos, pais, parentes e todos aqueles que mesmo não as conhecendo, aprenderam a amá-las. Não dá mais para conviver com isso. Por isso eu, em nome das Mães do Brasil, peço o apoio de toda a sociedade, artistas, políticos, movimentos sociais e principalmente vítimas de violência do Brasil. Exerçam pressão junto conosco e nos ajudem a exigir que esse caso seja concluído. Nosso objetivo principal é mudar a política de atendimento para caso de seqüestros sem pedido de resgate e desaparecimentos enigmáticos (crianças sem conflitos familiares que saem de casa para ir as compras ou a escola e desaparecem sem deixar pistas). Queremos desvincular esses casos dos de crianças desaparecidas que fogem de casa vítimas de maus tratos ou violência doméstica e que são facilmente encontradas com divulgação de fotos realizada pelo governo e a ação do Conselho Tutelar. Queremos a criação de uma delegacia no Rio de Janeiro especializada em seqüestros sem resgate e desaparecimentos enigmáticos. Sem investigação de qualidade através de um setor especializado, esses casos nunca serão solucionados. Precisamos da ajuda de todos. É hora de união.

Wal Ferrão, presidenta do Portal Kids.

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