30 julho 2010

"Mamãe Tercília"


“Bom dia, Josemar! Deus abençoe o seu dia! Boa noite, Josemar! Deus abençoe sua noite!”

Todos os dias ao acordar e todas as noites antes de dormir Tercília Frederico abençoa a distância o filho Josemar. Uma rotina que ela cumpre religiosamente há 18 anos, desde que o menino de 15 anos, portador de doença psíquica, desapareceu durante uma festa Junina no Bairro de Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro.

Naquela tarde o garoto, que cresceu brincando na pracinha em frente a sua casa e era conhecido e querido em todos no bairro, apareceu em casa para almoçar com uma pipa. A mãe estranhou.

“Quem te deu essa pipa?” – perguntou.

“Um moço!” – respondeu Josemar.

Como o almoço estava atrasado, Tercília atendeu ao pedido do filho que queria brincar na festa que acontecia na praça mais um pouquinho. O almoço ficou pronto, nada do menino voltar. Tercília mandou o filho mais novo atrás do irmão que voltou com a notícia alarmante. Josemar tinha desaparecido e ninguém sabia dele. Começou naquela tarde de 7 de junho de 1992 a luta desumana de Tercília para buscar o filho. Nas delegacias de polícia, sentia o preconceito pelo menino ser pobre e negro.

“Insinuavam que com 15 anos meu filho poderia ter sido exterminado por ser bandido. Não adiantava eu explicar que ele era doente e tinha idade mental de 10 anos”, lamenta.

Sozinha buscou o filho por todos os abrigos e hospitais psiquiátricos da cidade. Quando não tinha dinheiro ela entrava na frente do ônibus, explicava aos passageiros sua situação e pedia que alguém pagasse sua passagem.

Josemar continua desaparecido, mas Tercília ganhou uma filha. Nem sei quando comecei a lhe chamar de “mamãe Tercília”. Tomo sua benção quando a encontro. Aprendi muitas lições com essa mãe leoa, mas a maior delas talvez tenha sido a do perdão. Uma pessoa que a conhece a culpa por ter atrasado o almoço. Acha que se isso não tivesse acontecido Josemar não teria sumido. Um dia em minha casa, ao contar esse fato, minha mãe, que também a ouvia, protestou:

“Que injustiça! Como a senhora aguenta isso, dona Tercília?” – quis saber minha mãe.

Ao que ela respondeu:

“Ah minha filha, a gente tem que saber amar os ignorantes!”

Num próximo post conto como essa determinada me convenceu a criar o Projeto Mães do Brasil. Nas fotos eu com minhas duas mães. Com Tercília numa reunião das Mães do Brasil e com Téia e Tercília, numa festinha.

Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br

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