03 julho 2010

O florescer da criança


Sempre que recebo um caso de criança desaparecida eu acredito. Acredito que possa ser encontrada e possa continuar a viver no mundo de que foi retirada.
“Essa criança não vai mais aparecer!” – É o que mais ouço quando insisto em sua busca, que afinal é o direito assegurado de cada criança.
Quando nossa insistência serve de instrumento para reencontrar uma criança, o que mais ouço, é:
“Vai ser difícil essa criança se adaptar de novo a família.”
É então que passo a observar essa criança. Observá-la sem julgamento, sem nenhuma expectativa ou desejo de que corresponda ao que se espera dela. Apenas entro no mundo da criança e a deixo entrar no meu mundo.
Foi assim com um menino que conheci em meio a uma devastação. Que a perda definitiva de um ser amado provoca. Quase que se podia pegar nas mãos o sofrimento daquele menino, de tão palpável que ele era. Foi difícil para o menino lidar conosco. Eu era a pessoa que, ao entrar em sua casa, fazia sua mãe chorar e reviver a dor que ele e a família guardavam no fundo do coração. Só para fingir que ela não existia.
Não fiz um gesto de aproximação. Apenas observei aquele menino, guardião de sua família, admirada de que nunca tivesse perdido um ano na escola.
Busquei uma oportunidade para que aquele menino saísse da jaula da dor. Mesmo estando ele muito zangado por ser chacoalhado, joguei o menino na vida como a história da águia que joga o filhote do despenhadeiro quando sente que ele está preparado para o voo. E o menino foi, desajeitado no início, até revoltado, mas depois cresceu, e com tal perfeição que sempre paro para observar seus voos.
Hoje ele é universitário, tem uma profissão e muitos sonhos. Muitos, mesmo sem o conhecer, duvidam de sua sabedoria. Eu continuo a observá-lo e ajudar no que posso para que ele consiga ser o que deseja. E não o que pensam ser o bom para ele. Mesmo que não venha a ser o que quer, tem mais coragem dos que o criticam sem nunca ter tentado.
Alguém duvida que uma criança possa florescer?

Wal Ferrão
A foto foi tirada por mim de dentro do avião, indo para Brasilia, para participar da CPI da Criança Desaparecida.

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