09 agosto 2010
Pedofilia gera traumas difíceis de curar
Uma pessoa que convive comigo aconselhou que eu cultive o perdão e aconselhe as mães que atendo a deixar a Justiça para Deus. Argumentou que devemos entender que esses homens que sequestram, abusam e matam crianças na verdade são pessoas doentes merecedoras da misericórdia Divina e que acima de tudo precisam de tratamento.
“Você sabe o que é uma cadeia?” – perguntou.
“Você sabe o que é ter uma filha sequestrada, jogada na prostituição ou morta?” – rebati.
A pessoa calou-se. Lembrei da frase de Gandi que ensinava que se vemos uma injustiça e permitimos que ela aconteça e se perpetue, a injustiça também é nossa.
Passado alguns momentos, ao me ver conversando com outra pessoa que me contava um caso de abuso sexual cometido contra uma menina doente mental por um homem que já havia cometido semelhante crime no passado, a pessoa interrompeu nossa conversa e voltou a aconselhar.
“Tal abusador é um doente. Não devemos ter raiva. Ele precisa de tratamento!”
“Precisa é de manicômio judiciário e prisão para o resto da vida!” – retrucou a pessoa que me contava o caso.
“Então você acha que devemos deixar esse homem solto, dando a oportunidade de que outras crianças sejam vítimas? É dever de quem trabalha na defesa dos direitos da criança denunciar e buscar punição para esse tipo de crime e um direito dos pais das vítimas buscar Justiça.” – eu disse.
E aí veio a frase que me tira do sério.
“Ah, mas essas mães também não cuidam dos filhos. Outro dia vi uma criança que se afastou da mãe correndo por uma loja. Qualquer pessoa podia te-la levado.”
Atire a primeira pedra a mãe ou pai que não passou pelo susto de ter uma criança perdida por alguns minutos nessa circunstância. Uma de minhas afilhadas, quando tinha uns quatro anos, se escondeu em baixo de um edredon quando veio em minha casa me visitar. Eu e a mãe a procuramos pelo apartamento desesperadas até que ela surgiu de baixo das cobertas, bradando, feliz: “Achou!” Ela também fez isso ao se esconder da mãe numa loja de departamentos. Supondo que devemos deixar os psicopatas à solta, se naquele dia um deles tivesse encontrado a menina, ela não estaria hoje com 20 anos, não teria crescido amada, feliz e não estaria realizando o sonho de fazer faculdade de fotografia. Devemos então amarrar as crianças, impedi-las de dar os primeiros passos na adolescência porque os criminosos precisam de misericórdia? Precisam ser tratados com humanidade, ter direito de defesa, julgamento digno, mas precisam ser detidos, sim. O ideal seria que o sistema prisional fosse um modelo de reforma moral e social. Infelizmente não é! Mas não é por isso que os criminosos tem que ficar a solta e nós tenhamos que prender crianças e adolescentes.
“Não julgueis para não ser julgada!” – sentenciou a tal pessoa.
“E como é que você está julgando as mães? É fácil falar quando não temos um caso desses em casa!” – argumentei.
Foi então que a pessoa acabou revelando o que eu própria já estava desconfiando. Seu pai foi um abusador sexual que quase foi morto ao cometer um crime quando supostamente se preparava para abusar de uma criança. A pedofilia deixa um trauma na vida da vítima e também na dos filhos do agressor difícil de curar. Lembrei de algo que ouvi de um delegado ao prender um doente mental que estava sendo acusado de assassinar meninas em série de forma brutal. A vizinha do acusado foi até a delegacia tentar defender o rapaz, alegando que ele não tinha responsabilidade sobre seus atos, era doente.
“Por isso mesmo tem que ficar preso!” – disse o delegado à jovem. “Num surto, se ele tentar fazer com a senhora o que supostamente fez com essas meninas, tenho certeza que a senhora vai concordar comigo. Mas aí, para a senhora, já será tarde demais!”
Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br
A ilustração, de autoria de Mariana Massarani, faz parte da cartilha que o Portal Kids irá lançar em parceria com o Projeto Desaparecidos, coordenado por Luigi Baricelli.
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