01 dezembro 2010

Gilberto, o querido – Parte 2


Vítimas de violência costumam olhar com desconfiança toda a pessoa nova que delas se aproxima. Com as Mães do Brasil não é diferente. Claro que torceram o nariz para o fato de fazerem atendimento psicológico logo com um policial. Insisti na escolha do Gilberto Fernandes, mas resolvi escalar para a primeira entrevista individual com ele, Diana, mãe que havia chegado há pouco tempo na instituição. Quando ela entrou na UERJ para a entrevista tratei de recomendar:

“Presta atenção, o psicólogo precisa voltar!”

“Tá!” – concordou uma monossilábica Diana.

Ao fim da consulta encontrei-a completamente derretida com o atendimento. Diana adorou Gilberto. Animado com a primeira entrevista, ele pediu que marcasse mais mães para as próximas. O coitadinho chegou a sair tonto depois dos primeiros contatos com as veteranas. Ao vê-lo afastar-se, Amparo me confidenciou:

“Ele hoje ouviu tudo o que pensamos da polícia!”

“É mesmo?” – retruquei. “Cuidado para vocês não agirem com ele da mesma forma que grande parte dos policiais agem com vocês. Com preconceito!”

O argumento calou fundo. Passada a fase das entrevistas, demos início ao atendimento psicológico. Dividimos o grupo entre as mais doces e as mais arretadas. Nossa intenção era que Valéria Magalhães ficasse com o segundo grupo, mas Gilberto só podia atender aos sábados e as “feras” como apelidei o grupo das brabas, para divertimento das mães, acabou ficando sob a responsabilidade dele. Na primeira sessão de atendimento psicológico em grupo Gilberto abriu uma excessão. Eu poderia assistir os primeiros 15 minutos do encontro e depois me retirar.

“Isso porque elas são muito ligadas em você. Mas terão que romper o cordão umbilical. Afinal você não é mãe de criança desaparecida e muito menos mãe delas”, determinou.

“Imagina a coordenadora do projeto participando também do atendimento psicológico?”- apoiou Valéria.

Não falei nada. No dia do primeiro encontro, antes dos cinco minutos iniciais, e antes que eu abrisse a boca para revidar uma colocação do Gilberto e começasse uma polêmica, tratei de bater em retirada.

“Deixo as Mães do Brasil com você!”

Ele me encarou, divertido. Assim como Diana, as demais Mães do Brasil foram sendo rapidamente conquistadas. Tercília, “a mãe das mães” passou a tratá-lo por “meu filho” e incluí-lo em suas orações.

“Agora todo o dia rezo para o Gilberto...”, contou-me ela. Quando perguntei o motivo, Tercília respondeu, preocupada:

“Policial é uma profissão tão perigosa, coitadinho do meu filho!”

Gilberto não tardou em conquistar um lugar único entre as mães e também em nossa instituição. O valor do trabalho dele é inestimável, mas talvez seu maior desafio tenha sido ajudar a mim e as mães a romper o cordão umbilical, uma relação de muita dependência adquirida nos anos em que trabalhamos sozinhas pela causa da criança desaparecida. Com o fim do projeto, que durou dois anos, Gilberto continuou como voluntário da instituição. Hoje se sente muito feliz de acompanhar a evolução delas e constatar que seu maior objetivo dentro do grupo foi alcançado, transformar as Mães do Brasil de vítimas em guerreiras. Dona Edyr, uma das vovós do Brasil, é um dos muitos exemplos. Ela se casou no fim do projeto, refez sua vida e está muito feliz com o novo companheiro. Quando me ligou para contar a novidade, recomendou:

“Ah, Wal... Não deixe de dizer ao Gilberto que o atendimento psicológico surtiu muito efeito!”

Na foto Diana e Edyr com Gilberto em nossa antiga sede em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br

Nenhum comentário: