01 janeiro 2011

O perfume da Amanda


Se em 2002 não tivesse tido sua vida física interrompida, hoje Amanda estaria completando 18 anos. Não a conheci pessoalmente. Aprendi a amá-la através do imenso amor e da imensa saudade que sua família lhe dedica. E através da luta por Justiça que por ela movemos.

Ontem lembrei emocionada de alguns fatos que se iniciaram a partir de um sonho que com ela tive. Nele Amanda conversava comigo, tentava me dizer algo que eu não conseguia compreender. Na manhã seguinte ao sonho recebi um telefonema da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro solicitando minha presença e a de sua mãe na unidade policial, pois um suspeito havia sido preso pelo sequestro e morte de Amanda. Era o ano de 2006. Naquele dia passamos momentos tristes e dolorosos. Ah, a dor de uma mãe ao se ver frente a frente com um outro ser humano, acusado de praticar as barbaridades que tiraram a vida de sua filha.

Ao final da tarde voltamos caminhando para a casa exaustas. Vinha eu pensando num jeito de ajudar Cristiane a superar aquele difícil momento quando ela me contou que seus filhos gêmeos, irmãos caçulas de Amanda, haviam sonhado com ela naquela noite.

“Ambos tiveram o mesmo sonho... Não é engraçado?” – comentou Cristiane.

Foi então que lembrei que também eu havia sonhado. Teria sido uma premonição da prisão o significado do sonho? Não sabíamos. Curiosa, perguntei o que os meninos sonharam.

“Que Amanda lhes dava dois coelhos enormes, todos de chocolate. Será que existem coelhos assim? De qualquer forma vou pintar dois coelhos em dois ovos de galinha e dar para eles”, contou Cristiane.

Acabei descobrindo que Cristiane não só conhecia a técnica de pintura em ovos, como diversas outras da arte culinária. Decidi convidá-la para participar como aluna do curso Culinária para Festa, um projeto para mulheres de comunidade que naquela época era realizado com o apoio da agência internacional DKA-Áustria. Cristiane lembrou-me que devido à síndrome do pânico não saía sozinha. Como iria participar de um curso?

Não só participou como mais tarde veio a se tornar instrutora dele. A ideia de convidá-la para lecionar também foi a partir de um sonho que ela teve com Amanda. Nele, a filha lhe estendia uma vela em forma de rosa, dentro de um jarrinho quadrado, vazado nos quatro lados, de onde saía à luz da chama.

“Para mim...”, comentou maravilhada Cristiane, no sonho.

Ao qual Amanda, também no sonho, confirmou que era um presente.

Uns dois dias depois de Cristiane ter esse sonho, uma vizinha insistiu para que a acompanhasse em determinada loja. No local, já aborrecida por ter concordado, pois era quase hora de buscar os meninos na escola, o olhar de Cristiane se deteve numa prateleira repleta de material de confecção de velas artesanais. Cristiane lembrou-se que alguns meses antes de Amanda falecer, ela havia aprendido a fazer velas num curso. Será que seria capaz de reproduzir a vela do sonho? Num impulso ela comprou o material. Me presenteou na vida real com uma vela que conseguiu fazer bem semelhante a que a filha lhe presenteara no sonho. A vela da foto acima, que guardo comigo até hoje, diante do porta retrato com a foto de Amanda, que também ganhei de Cristiane e fica na mesa de meu computador doméstico.
Certa tarde, sentada diante do computador, tentando resolver um desafio muito grande da instituição, comentei com Valéria Magalhães, diretora do Portal Kids, que estava ao meu lado, o quanto era perfumada a vela que Cristiane havia feito. Espantada, Valéria disse que não estava sentindo o perfume. Atônita, cheirei a vela e a ofereci para que ela também cheirasse o perfume que inundava todo o quarto. O olhar arregalado que Valéria me lançou provou que o perfume só estava realmente sendo sentido por mim.

Depois de vencido o desafio do trabalho, tive a curiosidade de confirmar com Cristiane se ela havia colocado perfume na vela. Não havia. Até passou a inserir essências no preparo depois desse episódio.

Ah... Naquele dia da prisão do suspeito, durante aquele pesado trajeto de volta para casa, eu e Cristiane nos deparamos com uma loja de doces. Era época da Páscoa. Na primeira prateleira que paramos em busca de coelhos lá estavam eles. Com enormes orelhas de chocolate, apetitosos e sorridentes. E apenas dois. Parece que estavam ali a esperar pelos gêmeos que tiveram uma Páscoa inesquecível naquele ano.

Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br

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