02 dezembro 2011

Raquel


Lembro do dia em que Raquel chegou à instituição. O sofrimento era tanto que ela nem conseguia falar. Nós também não dissemos nada. O que havia para dizer? Apenas a acolhemos. Nem sei quanto tempo durou o seu mutismo. Há sempre tanta luta a vencer, tantas lágrimas a enxugar, que não vamos notando a transformação de um ser humano até que ele nos surpreende com uma atitude de superação que jamais pensávamos que fosse capaz de tomar.

Foi um longo tempo desde à tarde em que ela entrou na antiga sede do Portal Kids no Rio de Janeiro, no ano de 2008, até novembro deste ano de 2011, em que ocorreu a última audiência do suspeito do sequestro de sua sobrinha Larissa, ocorrido em 31 de janeiro de 2008. Na tarde daquele dia Raquel deixou a menina, então com 11 anos, e o filho mais novo, de oito, na casa da irmã para levar a sobrinha mais velha, de 19 anos, que estava com suspeita de Dengue, no posto médico. Ao retornar para casa, cerca de duas horas depois, ela sentiu o desmoronamento da vida que nunca mais voltaria a ser a mesma. Larissa havia desaparecido depois de ser retirada de dentro de sua casa por um desconhecido. Como isso pode acontecer se Larissa havia ficado na casa de sua irmã? E era instruída a nunca abrir a porta para estranhos? Mas aconteceu. Diante da insistência da menina a tia permitiu que voltasse para casa para jogar vídeo game com o primo. E abriu a porta quando o homem garantiu que vinha consertar um aparelho de televisão a mando de Raquel.

A partir de então a vida se transformou em puro horror, em dor sem descanso. Na vivência dessa tragédia Raquel acabou percebendo que a única esperança de reencontrar Larissa, que criou desde que nasceu, seria perseverar num caminho que todas as mães acabam por sucumbir. E não por falta de amor aos filhos. Mas por falta de amor a si mesmas. Por uma baixa estima que leva as mães de crianças desaparecidas, em sua maioria pobres e com pouco estudo, a não se julgar capazes de enfrentar o pior dos inimigos: o medo de ser cidadão.

Que momento Raquel percebeu que a única maneira de fazer Justiça a Larissa seria superar esse medo? Acredito que no dia em que sozinha entrou no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para lutar pela continuidade das investigações que tinham tudo para terminar engavetadas. Quão pequena e amedrontada Raquel entrou no Ministério Público e quão grande e forte saiu da última audiência. Tenho o projeto de escrever um livro sobre a trajetória de Raquel que se chamará Mãe em Dobro. Raquel não é mãe biológica de Larissa, mas escolheu acolher sobre suas asas a filha de sua falecida irmã. Ontem me deparei com a foto abaixo, que personifica a mãe que ela é. O último pedido que a irmã de Raquel fez a ela no momento da morte foi: “Cuida da minha filha.” Acredite, Raquel, você cumpriu a promessa. Sei que não é possível uma mãe que não sabe onde o filho estar ter paz no coração. Mas tenha na consciência essa paz: Você fez mais do que podia.

Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br


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