Uma entrevista
com o ex-padre Zeca para o Jornal O Globo, criador do movimento carismático da
Igreja Católica, Deus é 10, que atraiu milhares de fieis para a Praia de Ipanema,
no Rio, nos fins dos anos 90, me chamou a atenção. Hoje consultor e
palestrante, Zeca de Mello disse na entrevista: “Trabalho
nessa lacuna que existe entre o modelo educacional no qual nós fomos formados e
o mundo de hoje. Viemos da escola das respostas certas, tínhamos que dizer a
resposta que já estava prevista. E fazer tudo sozinhos. Nós inclusive definimos
sucesso como não depender do outro. Hoje, o maior desafio nas organizações é
colaborar para inovar.”
À frente do movimento social Mães do
Brasil, formado por mães de crianças desaparecidas, comecei a sentir essa
lacuna quando, através de minha instituição, Portal Kids, conseguimos apoio do
projeto Criança Esperança, que foi realizado no período de 2006 a 2008. Lembro
que, ao conseguir o apoio, dando oportunidade de atendimento psicossocial e
jurídico para as mães do movimento, pensei: “Se, sem apoio, mudamos tanta coisa
na sociedade, agora, com essa estrutura proporcionada pelo Criança Esperança,
ninguém nos segura.”
Qual foi minha surpresa quando tudo se
deu ao contrário. Começou ali um movimento de retraimento das mães, que
inicialmente rejeitaram todos os profissionais e também a maioria das novas
propostas de atuação. Antes, em grupo, éramos um feudo. Eu e elas contra o
mundo. A nova proposta era aflorar o grande potencial que existia em cada uma
delas, unir essas forças, fortalecendo o trabalho de grupo e fazer o movimento
criar asas e voar. Eu precisei assumir um novo papel. Não era mais a Wal, amiga
delas de todas as horas – mas sim, a presidente da instituição que precisava
administrar verba, fazer relatórios e supervisionar o trabalho de profissionais
de áreas diversas. Ao invés disso, os novos papéis individualizaram o grupo. Paralelo
a isso, explodiu publicamente a denúncia sobre um viés das investigações sobre
o sequestro sem pedidos de resgate das meninas que buscávamos. Uma das possibilidades
é que de que as meninas estariam sendo sequestradas para servir a máfia do
tráfico de órgãos. Uma realidade muito dura para qualquer mãe suportar, pois
elas procuram as filhas vivas. Era melhor se isolar na inconsciência. Hoje, o
grupo sobrevive, porque existe algo ainda mais forte que o crescimento e o
encarar da realidade, que é o amparo desse trabalho: o sentimento de profunda
amizade. Ainda recorremos umas as outras nos momentos de aflição. Me incluo
enquanto grupo porque elas sempre achavam que tiravam força de mim, mas eu é
que aprendi com a força delas. Mulheres que me ensinaram e me ensinam tanto.
Fiquei muito animada com o recente
movimento que foi às ruas. Fui também, levando o cartaz com a imagem das
crianças desaparecidas, mas, sinceramente, o que vi, ainda não é o que busco em
termos de união. Pelo menos no dia que eu fui, vi grupos isolados contra alguém
e contra algo, e não a favor do todo. Também fui acompanhando minha mãe
católica nos eventos da Jornada Mundial da Juventude. Sou kardecista, mas gostei
do que vi. Um movimento de devoção à solidariedade. Pensei que seria muito bom
se aqueles jovens, independentes da religião que os representam, saíssem da
toca como fizeram no evento da JMJ, para atuar socialmente. Tenho hoje um
projeto – tão bem sucedido quanto o Mães do Brasil – criado e executado por um
jovem cheio de ideias e ideais. Nicolas Raline teve a irmã de nove anos
sequestrada e assassinada quando tinha apenas 12 anos e cresceu em meio a essa
tragédia, e toda a dor que ela causou nele próprio e em sua família. Assistido
pelo Portal Kids desde que tinha 14 anos, ele também rejeitou a tudo e a todos,
principalmente a mim, até que fomos nos aproximando, desde que passei a
acreditar e provocar sua capacidade de realizar os próprios sonhos. Até que,
aos 17 anos, ele começou a solicitar, pedir e depois insistir em trabalhar na
OSCIP. Também rejeitei, achando que o que o movia era apenas o sentimento de
gratidão. Mas, ele tanto insistiu que conseguiu se impor. Criou o projeto Gente
do Amanhã, começou a realiza-lo com nossa ajuda e o apoio da DKA-Áustria. Um
sucesso, até ele tentar dar poder de decisão aos jovens, que como ele sofreram perdas
terríveis. Nicolas também descobriu que é difícil trabalhar o todo. Isso
porque, como diz de forma tão perfeita o Zeca de Mello:
“Viemos da escola das respostas certas,
tínhamos que dizer a resposta que já estava prevista. E fazer tudo sozinhos.
Nós inclusive definimos sucesso como não depender do outro. Hoje, o maior
desafio nas organizações é colaborar para inovar.”
A gente até pode conseguir sucesso
sozinho, mas precisa do outro para continuar mantendo-o. Só é preciso ter
cuidado para não pegar o caminho mais fácil, que é o de depender do outro para
fazer um papel que não cabe a ele e sim a nós. No Portal Kids, continuamos teimando em buscar a inovação através da colaboração. Vamos conseguir? A resposta depende de
cada membro do grupo que nos representa. É mais fácil manipular e ser
manipulado. Mas nós, aqui nessa instituição, movimento, grupo, queremos só colaborar
com o todo. Quem estiver nessa vibração, se sentindo perdido, solitário, sem
respostas, mas realmente querendo se unir e colaborar, seja bem vindo! Vamos nos reinventar? Olha que se reinventar é só para "os fortes" hein!
O link da entrevista com Zeca de Mello
http://oglobo.globo.com/rio/zeca-de-mello-confissoes-de-um-ex-padre-que-se-reinventa-seis-anos-apos-deixar-batina-9467685
Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br
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