17 novembro 2016

Raquel segundo Larissa: "A mãe que livra de todos os perigos!"


Raquel numa manifestação por Larissa e as crianças desaparecidas

Raquel Gonçalves é atendida pelo projeto Mães do Brasil do Portal Kids desde que sua filha Larissa, de 11 anos, foi sequestrada de dentro de sua casa em 2008. Raquel chegou ao Portal Kids igual um zumbi. Não falava e se recusava a interagir com o grupo. Nas rodas de conversa sentava-se numa cadeira num canto, distante de todos. Mas ficava ali. Aos poucos ela foi aproximando a cadeira e se incorporando a roda, não das conversas, mas da roda viva que representa o universo de uma mãe que tem um filho desaparecido. Ela é feita de desespero, impotência, solidão e uma violência atroz, não só a provocada pelo fato de ter um filho retirado de forma forçada de seu convívio, como aquelas pequenas violências verbais ditas por pessoas das mais diversas. Muitas vezes até sem intenção de ferir. “Acha logo sua filha antes que ela goste de ser prostituta!” “Coleta de impressão digital não é para pobre” “A ONG só trabalha para você!” A última foi ontem: “Ela não é mãe, é tia! Quem tinha que procurar não era ela” As palavras vieram de alguém que não conhece Raquel em sua intimidade. Raquel vem sendo mãe de suas sobrinhas desde que nasceram. Sei disso porque a primeira investigação que faço não é a jornalística, mais a humana. Eu investiguei muito bem o coração de Raquel e o de sua sobrinha que ficou. Outro dia ouvi um áudio da neta de coração dela cobrando. “Vovó... Estou com saudades de você!” Os atos de Raquel ao longo desses anos de convívio mostram seu espírito materno. Quantas vezes me cercou de cuidados, carinhos e proteção maternal. Mas age assim com todos com quem partilha a vida. Embora seja uma culinarista de mãos abençoadas, Raquel nasceu para ser mãe.

Achei importante fazer esse registro para não desencorajar outras mães de desaparecidos que não são biológicas, mas criam os filhos nascidos do coração com muito amor. Não se deixem afetar pelas opiniões alheias e continuem amando incondicionalmente. Exigindo das autoridades que não as consideram mães menos julgamento e mais trabalho. Lembre-se que o salário da autoridade que a julga é pago com seu dinheiro. Raquel mesmo resistiu por meses a entrar pela primeira vez no Ministério Público. Até que de tanto eu questionar sua atitude ela acabou me confessando que temia ser presa por não ser a mãe biológica de Larissa. Graças a Deus a demora não a impediu de finalmente tomar coragem e entrar. E com o apoio do Ministério Público indiciar e condenar o sequestrador de sua filha.

Ontem Raquel se entristeceu em mais uma vez, depois de tantas provas de amor incondicional que deu por Larissa, ouvir tal frase da boca de uma pessoa. Eu então repeti ela o que respondi a uma outra amiga ontem, ao conversarmos sobre maldade e ingratidão: Não detenha seu olhar na lama. Olhe para as flores.


Raquel, as flores da sua vida, sua filha mais velha, seu filho e sua neta, atestam diariamente a grande mãe e avó que você é. E nós também #maedobrasilguerreira 

A propósito, a última anotação do diário que Larissa ganhou de Raquel ficou registrada sua opinião sobre a mãe de coração. Raquel só descobriu isso depois que ela desapareceu, na tentativa de descobrir algo sobre seu paradeiro. Escreveu Larissa:

"Tia Raquel, a mãe que me livra de todos os perigos!"

Por Wal Ferrão
wal.ferrao@portalkids.org.br

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