No ano de 2006, durante a realização do projeto Mães do Brasil, com o apoio do Criança Esperança, um projeto da TV Globo em parceria com a Unesco, as crianças que vinham sendo atendidas individualmente pela instituição - irmãs e irmãos de desaparecidos e crianças que tivemos a felicidade de localizar - passaram a acompanhar suas mães durante o atendimento psicológico que todos os sábados era realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Logo, aquele grupinho animado necessitou de uma atividade direcionada, que não atrapalhasse as aulas dos universitários. Passamos a realizar oficinas de leitura, interpretação, artes plásticas e tudo o mais que agradava ao universo infantil. Percebemos o quanto as crianças, assim como suas mães, floresceram com o contato com outras crianças que viviam o mesmo drama que elas: a dor de ter um ente querido desaparecido. Durante aquelas divertidas e emocionantes tardes, começou a surgir em minha mente a ideia de criar um projeto que atendesse especialmente nossas crianças.
Paralelo a isso, inserimos um dos meninos, o Nicolas Raline, num programa de Jovem Aprendiz da Editora Abril. Nicolas tinha 15 anos, foi apresentado por nossa instituição, mas selecionado por seus próprios méritos. Acompanhando os primeiros passos do Nicolas no mercado formal de trabalho, passei a ter um convívio intenso com ele. Admirei o Nicolas desde o dia que o conheci porque sua mãe Cristiane me contou que ele, apesar da tragédia que vitimou sua irmã, nunca repetiu de ano na escola. Já o Nicolas resistia bravamente a qualquer contato comigo. É que minha presença em sua casa significava lágrimas nos olhos de sua mãe. O contato com as Mães do Brasil fez Cristiane olhar a dor de frente e superá-la. Mas para um filho tão jovem é doloroso ver a mãe nesse processo de enfrentamento da dor.
A medida que nossa amizade se fortalecia, Nicolas foi me revelando seus sonhos: estudar inglês, música, jornalismo. Estimulei que realizasse todos. Ele foi desabrochando para a vida. Um dia me surpreendeu com a proposta de trabalhar como voluntário no Portal Kids. Queria retribuir tudo aquilo que tinha recebido da instituição. Falei que não precisava. De tanto ele insistir mostrei os primeiros esboços do projeto de atendimento às crianças. Nicolas não aprovou. Disse que tinha ideia melhor.
Ah, é? Pois então me apresente seu projeto que eu quero ver! - desafiei.
E não é que o Nicolas veio com ideias excelentes para um projeto de atendimento aos jovens, que estavam no processo de transição para a vida adulta e entrando no mercado de trabalho?Nicolas achou que a instituição poderia fazer pelos adolescentes que cresceram ligados a nossa instituição, o mesmo que fez por ele. Já nós, achamos que o Nicolas, sua coragem, talento e capacidade de superação, vai fazer muitos por nossos jovens. Assim nasceu o projeto Gente do Amanhã, que com o apoio da agência internacional DKA-Austria vem sendo desenvolvido desde julho.
Nossos meninos acabam de lançar um blog http://www.projetogentedoamanha.blogspot.com/
Prestigem nossos "filhos e filhas". Nos orgulhamos muito da trajetória deles e acreditamos que essa "gente do amanhã" entra na vida preparada para fazer da sociedade um lugar melhor para se viver.
Por Wal Ferrão
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